Esperança de Águas Limpas - Dragagem do Sistema Lagunar na Zona Oeste tem 3 anos para acabar
28 de maio de 2024Na Zona Oeste do Rio, três lagoas e dois canais acumulam o equivalente a 920 piscinas olímpicas, ou 2,3 milhões de metros cúbicos de puro lodo e sedimentos. A reparação do desastre monumental e histórico espalhado por águas da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá deveria ter sido legado olímpico da Rio 2016, mas não passou da promessa. No fim de abril, as obras de dragagem, para limpeza e retirada desse material poluente, finalmente começaram. A Iguá, concessionária que assumiu a operação dos serviços de água e esgoto na região, tem prazo de três anos para finalizar as intervenções no complexo lagunar.
O trabalho começou pela Lagoa da Tijuca, onde deve permanecer por 24 meses. A região, considerada a mais crítica, concentra a parte principal dos sedimentos e resíduos e tem a menor profundidade de água, de apenas 30 centímetros. As equipes precisam usar uma espécie de retroescavadeira flutuante para remover o lodo, tornar o canal raso mais profundo e, então, permitir a passagem de máquinas e equipamentos pesados. A meta é chegar a uma profundidade de 2,5 metros.
O mesmo procedimento chega à Lagoa de Jacarepaguá ainda em dezembro deste ano, e, um ano depois, será a vez da Lagoa do Camorim. Os canais da Joatinga e Marapendi vão receber obras a partir de abril e julho de 2026, respectivamente.
Para onde vão os resíduos?
O material dragado pela escavadeira é direcionado para uma embarcação, chamada de batelão, onde uma espécie de peneira gigante o filtra, separando os elementos sólidos dos orgânicos (lodo e sedimentos). Os sólidos serão destinados para aterros sanitários e os orgânicos vão para cavas subterrâneas, que já existem no fundo das lagoas, criadas entre as décadas de 50 e 60 durante o processo de aterramento para urbanização da Zona Oeste. Na época, uma grande quantidade de areia foi retirada do fundo das lagoas, formando essas cavidades, que se parecem com um túnel. O material dragado na Lagoa da Tijuca vai preencher a cavidade próxima do Condomínio Península, na Barra.
Outro desafio é conter o despejo irregular de esgoto na bacia do rio Arroio Fundo, localizado na Cidade de Deus, no Canal do Anil e no Arroio Pavuna, os mais poluídos da região, e que deságuam diretamente nas lagoas. Uma medida que está sendo implementada para evitar que a água poluída chegue até o complexo lagunar é a criação de Coletores de Tempo Seco (CTS), que interceptam o esgoto na galeria pluvial e o direcionam para o tratamento correto.
Em abril, foram instalados 26 pontos de coleta: cinco no Canal das Taxas, no Recreio, e 21 na bacia do Rio Arroio Fundo, próximo da Cidade de Deus. Com essa medida, deixaram de ser despejados no sistema lagunar 21 milhões de litros de esgoto por dia.
— A dragagem é o pontapé inicial, e um dos fatores que vão atuar na reconstituição dos lagos naturais para permitir uma troca hídrica, renovando a água das lagunas e melhorando a qualidade da água. Ainda tem o processo de ampliação das redes de água e esgotamento sanitário em comunidades. O ponto ótimo vai ser visto quando todas as ações estiverem finalizadas – afirma o diretor de operações da Iguá, Lucas Arrosti.
A extensa Baixada de Jacarepaguá tem ocupação populacional antiga, que remonta à presença colonial do século XVII, segundo explica Marcelo Motta, geógrafo do Departamento de Arquitetura e Urbanismo e diretor de Meio Ambiente da PUC-Rio. A urbanização se intensificou nos anos 1950, e, a partir das décadas de 70 e 80, viveu processo intenso de adensamento. A infraestrutura não acompanhou essa expansão.
— O pouco saneamento que tem é ainda muito incipiente para a quantidade de moradores. Os rios que passam pela região, o Arroio Pavuna, o Canal do Anil, que descem do Maciço da Tijuca a leste, e do Maciço da Pedra Branca a oeste, saem bastante límpidos das áreas de conservação, mas assim que entram na área urbanizada, caem para a categoria de valão. Esses rios recebem uma carga de esgoto excessiva que é descarregada na lagoa, seja pela entrada do Córrego da Pavuna, na Lagoa de Jacarepaguá, ou do Canal do Anil e Arroio Fundo, na Lagoa da Tijuca — diz Motta.
Na avaliação do geógrafo, o serviço de esgotamento sanitário deve ser o principal foco dos esforços:
—É preciso tirar o excesso de sedimentos, limpar, reconstituir o manguezal e restaurar o ecossistema, mas sem agir na causa, que é o saneamento da região, de nada vai adiantar. É o desafio e o compromisso contratual da concessionária. Tem que sanear a Baixada de Jacarepaguá.
Em paralelo às obras de dragagem, acontece a revitalização do complexo lagunar, com instalação de telas de contenção, coleta de lixo, produção de mudas de mangue, plantio e manutenção das margens.
— Apesar de existirem ecobarreiras, muito lixo atravessa, vem pelas lagoas e se acumula nos manguezais. Isso acaba comprometendo a reposição natural dos mangues. As áreas de mangue são áreas alagáveis, funcionam como uma esponja, além de filtrar o esgoto, e sequestrar em média quatro vezes mais carbono do que outro tipo de floresta — afirma o biólogo Mário Moscatelli, consultor do projeto de revitalização do complexo lagunar liderado pela Iguá.
Projeto de ecoparque
Os replantios feitos em anos anteriores já renderam uma floresta considerável de mangue branco, preto e vermelho. Na região, é possível observar aves como o colhereiro-rosa, garças grandes e pequenas, guari, garça azul, garibaldi e lavadeira. O resultado motivou o biólogo a idealizar o projeto de um ecoparque na área da Lagoa do Camorim.
O ecoparque ainda depende de investimento público ou privado, mas já existe um projeto de lei que prevê a sua criação. É o PL 3070/2024, do Parque Municipal Natural Perilagunar da Lagoa do Camorim, no Complexo Lagunar da Barra e Jacarepaguá. O objetivo é recuperar e preservar o manguezal que foi replantado na região, mitigar o aumento da temperatura do bairro, propiciar o estudo científico e estimular turismo ecológico e sustentável.
— A gente priorizou essa lagoa devido a uma função importante de deslocamento de animais. A Lagoa do Camorim é o único corredor ecológico entre o Maciço da Pedra Branca e o Maciço da Tijuca. É essencial para o deslocamento dos animais. Além disso, é uma região que tem estrutura para receber um deque que possa adentrar o mangue e proporcionar uma boa frente de ecoturismo para o Rio – conta Moscatelli.
Fonte: O Globo
Por Camila Araújo